Natureza e Biodiversidade – 2020

by | Mar 21, 2020 | sem categoria | 3 comments

ÍNDICE

Ecossistemas e pandemias: um cartão de Natal de Jorge Paiva
Ecossistemas e pandemias

Encontro Nacional de Ecologia: Sociedade Portuguesa de Ecologia – SPECO
Encontro Nacional de Ecologia

Epidemia viral: biodiversidade, ecossistemas e natureza
Epidemia viral

Biodiversidade e saúde: alteração dos ecossistemas e zoonoses no Antropoceno
Biodiversidade e Saúde

A força da infeção: indicador do risco de transmissão das doenças zoonóticas
A Força da Infeção

Fundação para a Investigação em Biodiversidade
Fundação para a Investigação

 

INTRODUÇÃO

Não admira que consagremos esta rubrica em 2020 às relações entre epidemias, saúde e biodiversidade, pois 2020 foi o ano em que Portugal entrou na roda de uma pandemia mais avassaladora em termos mundiais do que alguma vez se vira. E que desperta muitas interrogações ainda por responder, ao mesmo tempo que sublinha de que modo é a própria sociedade humana no seu todo, acelerada por mutações rapidíssimas como a globalização, as alterações climáticas e a devastação do planeta por ela provocada, quem está na origem das ameaças a que estamos sujeitos.

A explosão industrial dos últimos três séculos abriu a caixa de Pandora que está agora a derramar sobre a nossa espécie os ventos enlouquecidos da destruição. Eis um fator a ter em conta sempre que somos tentados a babarmo-nos com as maravilhas da modernidade, que em certo sentido são reais mas transportam em si um gérmen de destruição cujo controlo está a escapar à espécie humana.

Abaixo encontram-se vários artigos centrados na importância de manter ecossistemas saudáveis. O mais recentemente colocado é um texto do biólogo Jorge Paiva, decano dos ecoambientalistas portugueses e um cientista civicamente empenhado. Há muitos anos que Jorge Paiva nos tem honrado com o envio, a cada Natal, de um cartão que, de modo sucinto, contém um texto lúcido e claro sobre algum aspeto da relação da humanidade com a Natureza. O de 2020 debruça-se sobre o tema «ecossistemas e pandemias», apresentando de modo breve aquilo que alguns artigos inseridos nesta rubrica no inverno-primavera passados explicam de modo mais detalhado. Aliás, recentemente, Jorge Paiva publicou um livro que reúne uma grande parte desses cartões escritos e oferecidos a amigos, colegas e companheiros ao longo de décadas, intitulado Natal Verde, 30 anos de postais (1990-2019). (4 de dezembro de 2020)

 

Jorge Paiva: biólogo, cientista, ecologista, cidadão e educador

 

ECOSSISTEMAS E PANDEMIAS : UM CARTÃO DE NATAL DE JORGE PAIVA
Colocado em 4 de dezembro de 2020

Os mixomicetes são seres eucariotas (células com núcleo), portanto não são bactérias, nem vírus procariotas. Não são plantas, porque não têm clorofila; não são animais, porque se reproduzem por esporos; e também não são fungos, pois ingerem e digerem microrganismos.

São protistas e constituem um subfilo com cerca de 1000 espécies. São seres microscópicos, plasmodiais, que se deslocam como as amebas, alimentam-se de microrganismos, como leveduras, fungos, bactérias e, provavelmente, também de vírus, sendo, pois, controladores desses organismos.

As florestas são dos ecossistemas onde são mais abundantes, quer na manta morta, quer na superfície das plantas. Nas florestas tropicais as árvores atingem 80-100 metros de altura e enorme biomassa. Uma árvore dessas tem, na superfície, milhares de esporos ou propágulos de mixomicetes. Quando se abate uma árvore, estamos a matar também milhares de potenciais mixomicetes, predadores de microrganismos.

 

Foto Carlos de Mier e Carlos Lado (Real Jardín Botánico, Madrid). Com os nossos agradecimentos.

 

E, quando, além disso, destruímos também o ecossistema florestal, estamos a libertar de controlo milhões de bactérias e vírus que podem provocar novas doenças, como, por exemplo, aconteceu com a HIV, que está na origem da SIDA, que surgiu na região florestal da África Tropical, causada por duas espécies do género Lentivirus. Nessa altura culparam-se os símios, divulgando que os vírus causadores da HIV tinham passado para a nossa espécie através do contacto com os símios dessas regiões. Poderá ter sido assim, mas o vírus está no corpo dos símios, depois de se ter disseminado por falta de predadores, que desapareceram com o derrube da floresta tropical da região. O mesmo se pode dizer da febre hemorrágica Ébola, causada por quatro das cinco espécies de vírus pertencentes ao género Ébolavírus, todas da África Tropical.

Também há quem considere que a espécie do género Betacoronavírus (SARS-CoV-2), causadora da COVID-19, transitou de animais selvagens (morcegos) para o homem.

A explicação é, pois, a mesma, mas o único culpado é o Homem (Homo sapiens L.). Neste momento, há apenas 20% das florestas que existiam quando a nossa espécie surgiu neste Globo, uma «Gaiola» que temos vindo a sujar e na qual temos vindo a dizimar predadores de microrganismos, que podem vir a ser agentes de novas enfermidades letais e que não vamos poder controlar.

Sem florestas, esta «Ilha» do Universo (Terra) que habitamos, terá temperaturas tão elevadas e tantos microrganismos letais, que se tornará inabitável para a nossa espécie.

Façamos votos para que a época festiva do final do ano ilumine a consciência de todos para que não se continue a destruir e poluir os ecossistemas naturais.

 

Foto Carlos de Mier e Carlos Lado (Real Jardín Botánico, Madrid. Com os nosso agradecimentos.

 

ENCONTRO NACIONAL DE ECOLOGIA – SPECO 2020
Colocado em 4 de novembro de 2020

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

ENCONTRO NACIONAL DE ECOLOGIA

De 9 a 12 de dezembro
Inscrições early bird até 15 de Novembro
Incrições regulares até 30 de Novembro

https://www.speco.pt/pt/encontros/19-encontro-nacional-de-ecologia

Todas as informações em cartaz.

A SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia promove, anualmente, a investigação de excelência realizada pelos investigadores portugueses na área da Ecologia.

Mencionamos a iniciativa anual, o Encontro Nacional de Ecologia (ENE), que realiza em 2020 a sua 19ª edição, intitulada XIX ENE – Desafios para a Nova Década. Duplamente especial, pois a SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia – celebra as suas bodas de prata, 25 anos.

SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edifício C4, Piso 1, Sala 4.1.10 – 1749-016 Lisboa
Tel: +351 919070726 | E-mail: info@speco.pt  | Web: www.speco.pt
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Na Década do Restauro Ecológico 

Na década nomeada pelas Nações Unidas como a década do Restauro Ecológico, da Ciência para a Sustentabilidade dos Oceanos e do Desenvolvimento de Planos de Acção com vista aos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, este encontro ou congresso será estruturado de forma a destacar três grandes temas: restauro e gestão ecológica, biodiversidade e ecossistemas, e recursos  marinhos e oceanos.

A história recente mostrou que a acção antrópica, geradora dos modelos económicos, sociais e culturais das sociedades, entra facilmente em conflito com os modelos naturais. A escalada de um conflito local a um dilema mundial é cada vez mais fácil de alcançar… e os conflitos acumulam-se.  Há mais de 30 anos que os cientistas afirmam que o excesso de exploração de recursos, a fragmentação de habitats, o comércio ilegal de espécies, entre outros, estão a enfraquecer as barreiras que protegem a nossa própria saúde.

Em dias, uma epidemia escalou a uma pandemia, que vincará os seus efeitos durante anos.  Mais do que nunca, a Ecologia, enquanto ciência transversal, e os ecólogos, em particular, são chamados a intervir e a mostrar o seu papel como profissionais relevantes numa sociedade em mudança. Quais os desafios a enfrentar? Como podemos proteger o que ainda temos? Como podemos reverter o que perdemos? Como podemos agir?

O Encontro Nacional de Ecologia é um fórum anual onde se apresentam resultados científicos que podem apoiar o desenvolvimento de soluções pendentes, através da participação de especialistas em diferentes áreas de Ecologia em Portugal. Em tempo de pandemia o Encontro será inteiramente virtual mas, para além das palestras, contará com debates, mesas redondas e workshops de formação.

A comissão organizadora do 19º Encontro Nacional de Ecologia incentivou a submissão de trabalhos em todos os domínios da ecologia (até 30 de outubro passado), mostrando, num ano atípico, que o trabalho da ciência é mais importante que nunca.

SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

EPIDEMIA VIRAL, BIODIVERSIDADE, ECOSSISTEMAS E NATUREZA
Colocado em 21 de março de 2020

Iniciamos em 2020 esta rubrica [aberta já há vários anos], 2020 esse que vai ficar fortemente  marcado pela inesperada pandemia viral, com um artigo [de 2018, portanto bem anterior à irrupção da pandemia] sobre o contexto ecológico e sanitário mundial em que essa pandemia surgiu. A vida vai continuar e, na pausa forçada a que a doença nos obriga, é sensato aplicar algum tempo a refletir na forma como o contexto que permitiu ou favoreceu a irrupção poderá, no futuro, ser obviado.

O artigo de que propomos a leitura é extenso mas, sendo um resumo e adaptação de um artigo científico mais vasto, podemos dizer que a sua leitura é simples e não levanta dificuldades especiais. Para suavizar a leitura, e num contraponto mais alegre, colocamos algumas imagens de Raimundo Quintal, ecólogo, fotógrafo, cidadão interventor, natural e residente na Madeira. Com a devida vénia e o nosso agradecimento.

Apresentamos esse estudo devido a dois nexos: por um lado, à possível origem de transmissão de um animal aos seres humanos para a presente pandemia (do morcego ao homem na China, ou do pangolim nos trópicos, embora não provada), já que o artigo se debruça sobre as epidemias transmitidas do animal aos seres humanos; por outro lado, devido ao nexo que as epidemias nele estudadas podem ter com a destruição ou alteração desequilibrada dos ecossistemas.

A origem do artigo é a Fundação para a Investigação da Biodiversidade (nome original em francês, Fondation pour la Recherche de la Biodiversité), sobre a qual damos no final algumas informações. Com a mesma origem, sugerimos um artigo, em língua francesa, intitulado «Não atirem sobre os morcegos!», que analisa o eventual papel de espécies de morcegos na propagação de vírus nefastos aos seres humanos, mas ao mesmo tempo sublinha o caráter único do morcego como elemento de biodiversidade mostrando na mesma ocasião como evitar qualquer influência prejudicial sobre a saúde humana.

Entre parênteses retos, observações escritas pela Campo Aberto. O mesmo acontece com os subtítulos mais curtos a negrito. Subtítulos a vermelho estavam já destacados no original.

Como complemento, e devido a conhecimento casual, apontamos dois artigos que apontam em sentido semelhante a este, ou seja, quanto a possíveis e muito prováveis relações entre a devastação do ambiente e da natureza e o aparecimento do atual vírus pandémico, tal como já aconteceu nas últimas décadas noutros casos. Um deles, na revista Scientific American (Destroyed Habitat Creates the Perfect Conditions for Coronavirus to Emerge). Outro encontra-se na página do movimento britânico Population Matters, que advoga que a explosão demográfica é um problema ambiental importante. Seja o que for que se possa pensar sobre essa tese, o artigo tem dados de interesse quanto à destruição da natureza e dos habitats como possíveis elos da cadeia que conduz ao surto frequente de grandes epidemias. Concordando ou discordando da tese, seria insensato recusar o que possa haver de válido nos segundos.

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

BIODIVERSIDADE E SAÚDE
Alteração dos ecossistemas e zoonoses no Antropoceno

[Zoonoses: doenças transmitidas aos seres humanos através de animais. – Antropoceno: nome que tem vindo a ser dado à atual fase da história humana e da história da Terra na qual a interferência humana é comparada nos seus efeitos à de uma força geológica de grande magnitude]

Referência: B. J. McMahon, S. Morand, J. S. Gray (2018) Ecosystem change and zoonoses in the Anthropocene. Zoonoses Public Health. 65 : 755–765. https://doi.org/10.1111/zph.12489

Síntese por Hélène Soubelet (veterinária et diretora da FRB – Fundação para a Investigação da Biodiversidade)

Revisto por Serge Morand (diretor de investigação no CNRS-Centre National de la Recherche Scientifique) e Jean-François Silvain (presidente da FRB)

Desafio mundial
Estão classificadas como zoonoses 60 por cento das doenças infeciosas. Essas patologias representam um desafio crescente de saúde pública a nível mundial. A facilidade com que se propagam na população humana depende ao mesmo tempo da zoonose em causa e do contexto ecológico.

Num artigo publicado na revista científica Zoonoses and public health [As zoonoses e a saúde pública], uma equipa científica ilustra a necessidade de tomar em consideração as exigências ecológicas dos agentes patogénicos zoonóticos, o impacto das intervenções humanas, mas também os tipos de ecossistemas considerados (urbano, periurbano e florestal), de modo a nos prepararmos para a sua emergência e para geri-los eficazmente. Em pleno Antropoceno, a alteração do uso dos solos, as populações animais e o clima arrastam o aparecimentro de doenças transmissíveis dos animais aos seres humanos, ou seja, de zoonoses.

Com cerca de 60 por cento dos agentes patogénicos humanos e cerca de 60 por cento das doenças infeciosas emergentes classificadas como zoonoses, ou seja, transmissíveis dos animais aos seres humanos (Jones et al., 2008 ; Woolhouse & Gowtage-Sequeira, 2005), essas patologias (gripe das aves, VIH SIDA, SRAS e Ebola, etc) representam um desafio crescente de saúde pública a nível mundial (Jones et al., 2008).

Doenças processos ecológicos
As doenças, incluindo as zoonoses, são processos ecológicos naturais no seio dos ecossistemas. A sua erradicação pode não ter só efeitos positivos, pois outros parasitas ou organismos patogénicos são suscetíveis de ocupar os nichos deixados vagos (Lloyd-Smith, 2013).

Devido à multiplicidade das espécies e das escalas implicadas (Johnson, de Roode et Fenton, 2015), a ecologia das comunidades associada à epidemiologia [ciência que estuda as epidemias e difusão das doenças] pode levar a uma melhor compreensão dos processos e das dinâmicas implicadas nas epidemias de zoonoses e facilitar uma melhor gestão dos riscos (Cunningham et al., 2017; Johnson et al., 2015; Young et al., 2017).

Recorrendo a exemplos, os autores ilustram a necessidade de ter em conta, além das exigências ecológicas dos agentes patogénicos zoonóticos, por um lado o impacto das intervenções humanas e por outro lado os tipos de ecossistemas em causa (urbano, periurbano e florestal) para nos prepararmos à emergência dessas zoonoses no Antropoceno e a geri-las eficazmente.

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

Fatores antrópicos que influenciam a emergência
ou a propagação das zoonoses

As atividades humanas influenciam a emergência e a transmissão da quase totalidade das zoonoses, quer como motor principal quer como fator secundário.

A humanidade modifica o seu ambiente desde que surgiram seres humanos, mas, com uma população mundial em aumento constante (Gerland et al., 2014) e uma necessidade exponencial de recursos, aumentam de rapidez a expansão geográfica das atividades humanas e as pressões associadas (agricultura, urbanização, atividades industriais). São diminutos os espaços atualmente isentos da marca antrópica [humana] (Hoekstra & Wiedmann, 2014).

Daí resulta simultaneamente o desaparecimento em massa das populações animais selvagens (Ceballos, Ehrlich & Dirzo, 2017) e um contacto reforçado do Homem com a fauna cujo espaço vital se vai reduzindo (Jones et al., 2013). Estando essa pressão antrópica sem precedentes sobre os ecossistemas em constante aumento,  e em contexto de mudanças ambientais globais, as doenças zoonóticas continuarão no futuro a emergir (Jones et al., 2013).

A deflorestação é uma fonte frequente e bem conhecida
de emergência de zoonoses provenientes dos animais selvagens

Dois casos emblemáticos que acabaram por gerar infeções entre humanos são o vírus Ébola altamente patogénico e o vírus da imunodeficiência humana [sida]. Em ambos, o parentesco genético com os primatas selvagens teve um papel chave.

No caso do Ébola, os primatas não são a fonte originária do vírus, mas são hospedeiros secundários que desempenham um papel de ponte para os humanos (Del Rio & Guarner, 2015). No caso do VIH, a forma simiesca do vírus alterou-se para se adaptar ao seu hospedeiro humano (Sharp & Hahn, 2011).

O paludismo causado por Plasmodium knowlesi e Plasmodium cynomolgi no Sudoeste da Ásia e Plasmodium simium na América do Sul (Fornace et al., 2016) é um exemplo recente de doença zoonótica devida à deflorestação, e que implica primatas não humanos. As outras espécies de plasmodium, adaptadas respetivamente aos símios ou aos humanos, são muito provavelmente capazes de provocar infeções recíprocas. Estas últimas serão provavelmente cada vez mais frequentes com o aumento da deflorestação (Ramasamy, 2014).

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

A conversão de terras para a agricultura
ou a sua intensificação alteram o meio e podem arrastar
um aumento da transmissão de zoonoses

É o caso das doenças causadas pelo vírus do Nilo ocidental e o vírus Nipah (Epstein et al., 2006 ; Kilpatrick, 2011).

O abandono agrícola e o regresso à floresta
desempenham um papel de primeira importância
na transformação dos ecossistemas e na dinâmica de certas zoonoses

Verificou-se aumento das carraças em contextos de abandono agrícola, o qual parece ser causa do recrudescimento da doença de Lyme, designadamente na costa leste dos Estados Unidos (Matuschka & Spielman, 1986). Do mesmo modo, o aumento da encefalite das carraças na Europa do Leste pode ser atribuído em parte à criação de um habitat propício às carraças pelo abandono de terras agrícolas após as transformações económicas que se seguiram ao colapso da União Soviética (Šumilo et al., 2008) e às visitas mais frequentes dessas florestas por parte das populações humanas por ocasião de colheita de cogumelos e de frutos silvestres (Randolph et al., 2008).

As barragens e as infraestruturas de irrigação
são responsáveis pelo aparecimento de determinadas zoonoses

Por exemplo, em certas regiões de África, o risco de esquistossomíase aumenta porque, segundo determinados autores, essas estruturas contribuem para a criação de habitats favoráveis ao hospedeiro intermediário do parasita (Steinmann et al., 2006) e, segundo Sokolov et al. (2017), essas barragens bloqueiam igualmente a migração da serpente predadora desses hospedeiros intermédios. Poderiam ser abrangidas por essas zoonoses 400 milhões de pessoas.

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

Em maior escala, a mundialização económica
é um fator de aumento do risco de zoonose

O tifo dos matos em Taiwan é causado por uma bactéria da família das rickettsias, Orientia tsutsugamushi (Kuo et al., 2012), que utiliza um ácaro, Trombiculidae, como vetor e certas espécies de roedores como hospedeiros reservatórios [animais onde um vetor de doença se abriga em quantidade elevada e de onde pode ser transmitido a outro animal], ambos fortemente associados às florestas heterogéneas e às terras em pousio invasoras [em alastramento] (Chaisiri, Cosson & Morand, 2017 ; Xu et al., 2017).

Por isso, quando Taiwan aderiu à Organização Mundial do Comércio em 2001, a supressão das barreiras comerciais conduziu ao fim das subvenções agrícolas e ao abandono de terras de arroz que se tinham tornado não competitivas, daí resultando uma profunda transformação da paisagem agrícola. Antes de 2001, 20 por cento dos arrozais não eram cultivados, percentagem que passou a 45 desde finais de 2004, para finalmente estabilizar em 40 por cento em 2012. Esses arrozais abandonados constituem condições ideais para os hospedeiros reservatórios e para os vetores do tifo: não só a população de roedores aumentou, sobretudo a do rato do campo listrado, Apodemus agrarius, mas a intensidade de infestação pelos ácaros de ratos provenientes dos campos não cultivados foi multiplicada por três (Kuo et al., 2012). A incidência do tifo dos matos aumentou cerca de 40 por cento entre os dois períodos 1998-2001 e 2003-2007. É tentador atribuir isso à alteração decorrente da mundialização.

As políticas sanitárias elas próprias
podem estar na origem de efeitos secundários não previstos

O aumento da incidência da raiva na Índia é atribuído à utilização maciça de um anti-inflamatório bovino, o diclofenac, mortal para os abutres. O desaparecimento rápido dos decompositores necrófagos arrastou uma acumulação de carcaças de bovinos e depois um acréscimo das populações de cães errantes asselvajados, principal fonte de transmissão do vírus da raiva (Markandya et al., 2008).

Por outro lado, a política de vacinação antirrábica das raposas da Europa teve consequências não previstas, levando a uma expansão da população da raposa vermelha (Vulpes vulpes) e a um aumento consecutivo da transmissão de Echinococcus multilocularis (Combes et al., 2012; Schneider et al., 2013; Schweiger et al., 2007), responsável pela equinococose alveolar, demonstrando a complexidade das interações eco-epidemiológicas.

As modificações das populações animais influenciam
a dinâmica das infeções zoonóticas

Ao alterar os habitats, as intervenções humanas provocam mudanças no número de animais; quando as populações de hospedeiros intermédios ou definitivos de agentes zoonóticos aumentam, as doenças associadas aumentam também.

Num único caso documentado, o da encefalite da carraça na Suécia, o decréscimo das populações de cabrito-montês foi associado a uma taxa mais elevada de doença. O que se explicaria por um desvio das carraças para os arganazes (Myodes glareolus), reservatórios animais do vírus da encefalite da carraça, que conheciam um pico de população pela mesma ocasião. Esses dois fatores somados provocaram um aumento da transmissão aos seres humanos (Jaenson et al., 2012).

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

As alterações climáticas e meteorológicas
são responsáveis da progressão de certas doenças
nas latitudes ou altitudes mais elevadas
(Altizer et al., 2013)

McIntyre et al. (2017) demonstrou recentemente que 2/3 dos agentes patogénicos infeciosos reagiam ao clima, designadamente às precipitações e temperaturas.

Enquanto a maior parte dos conhecimentos sobre os efeitos das alterações climáticas sobre a distribuição e a epidemiologia das doenças infeciosas provém da modelização [modelo matemático, informático ou outro que orienta uma investigação] ecológica ou climática (Guis et al., 2012), há observações empíricas que começam a confirmar esses efeitos. Foi assim claramente estabelecido que as infeções com enterovírus ou com a bactéria Shigella estão associadas aos climas estivais húmidos e às precipitações anormalmente fortes, e que as febres tifoides são, por seu lado, associadas a períodos de temperaturas elevadas na Europa (McIntyre et al., 2017 ; Morand et al., 2013).

Sensibilidade dos agentes patogénicos ao clima
Tendências semelhantes foram observadas para essas doenças nas regiões tropicais (Wilson, Lush & Baker, 2010); mas o mais importante é que esse estudo revelou que os agentes patogénicos zoonóticos eram mais sensíveis ao clima que os agentes patogénicos estritamente humanos ou animais.

As alterações climáticas ou meteorológicas atuam sobre os habitats e os recursos em alimentos e em água, mas, igualmente, sobre as migrações de animais (Gortazar et al., 2014; Pongsiri et al., 2009). Esses fenómenos aumentam os contactos entre animais selvagens infetados e seres humanos sensíveis devido ao crescimento da população humana, à sua expansão territorial e à sobreposição com os territórios dos animais selvagens (Gortazar et al., 2014). Esses processos têm origem ao nível local, mas podem ter consequências globais (como mostram as epidemias de gripe aviária nos humanos).

Peste negra europeia medieval
A peste bubónica, causada pela bactéria Yersina pestis, matou um terço da população europeia na Idade Média quando do episódio designado como «peste negra». A infeção transmitida pelas pulgas teve provavelmente origem na Ásia central, tendo forte reservatório em roedores escavadores, nomeadamente nos ratos-do-deserto (Gage & Kosoy, 2005). Periodicamente, surgem epidemias nos roedores, que provocam a sua morte, o que priva as pulgas dos seus hospedeiros naturais. Essas pulgas procuram por isso outros hospedeiros, incluindo os humanos, originando assim epidemias de peste (Samia et al., 2011).

É provável que os fatores climáticos tenham sido implicados nessas epizootias [doenças que atacam ao mesmo tempo muitos animais da mesma região], antes de mais favorecendo o aumento das populações de roedores e do número de pulgas (Stenseth et al., 2006).

Durante esse segundo estádio, a epidemiologia torna-se mais complexa e os seus mecanismos ainda não foram objeto de suficiente descrição. A persistência aparente de casos nas zonas em que os roedores habituais estão ausentes seria devida às vagas de infeções repetidas, favorecidas por fatores climáticos, vagas essas provenientes da Ásia central e que se espalhavam noutras populações de roedores, tais como a dos ratos pretos, Rattus rattus (Schmid et al., 2015).

Os hantavírus e os patogénicos associados utilizam igualmente os roedores como reservatórios. Aí também as alterações climáticas desempenham um papel de primeiro plano nas epidemias relacionadas com os picos de populações de roedores, principalmente em zonas rurais (Jonsson, Figueiredo & Vapalahti, 2010).

Black et al. (2009) puderam assim constatar que os casos de infeção pelo vírus Puumala na Alemanha estavam associados a anos climáticos que, na China, favoreciam a produção em massa de cereais e grãos que aumentavam mecanicamente o número de roedores. Do mesmo modo, as fracas precipitações e a falta de inundações favorecem a abundância de ratos dos campos correlacionada a uma incidência mais elevada de febre hemorrágica com sindroma renal na China (Guan et al., 2009). Por fim, na América, a emergência da epidemia de hantavírus foi relacionada com as precipitações que estimulam indiretamente o crescimento das populações de roedores (Engelthaler et al., 1999 ; Yates et al., 2002).

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

Os fatores ligados aos ecossistemas
que influenciam a emergência ou a propagação das zoonoses

A suscetibilidade dos seres humanos a uma zoonose determinada pode ser muito variável (Civitello et al., 2015; Jones et al., 2008; Salkeld et al., 2013; Wood et al., 2016). Uma das componentes ecológicas primárias das zoonoses é o habitat dos hospedeiros reservatórios do seu agente zoonótico.

Três tipos de habitats, que correspondem à classificação dos ecossistemas de Schwabe (1984), foram considerados para facilitar a compreensão das emergências do zoonoses: «urbano», «periurbano» e «florestal», com uma presença humana e portanto uma exposição potencial decrescente e uma biodiversdidade crescente. A justaposição desses ecossistemas urbanos, periurbanos e florestais influencia portanto a priori a dinâmica das zoonoses em termos de hospedeiros e de organismos patogénicos ou parasitas (Kilpatrick, 2011; McCauley et al., 2015). É pois necessário compreender melhor os processos ecológicos nos ecossistemas urbanos, periurbanos ou florestais, a fim de:

– prever a emergência de zoonoses,
– antecipar os fenómenos de transmissões dos agentes patogénicos entre o homem, a fauna e os animais de criação em diferentes contextos ecológicos e culturais (Jones et al., 2013, Muehlenbein, 2016),
– e favorecer a resiliência dos sistemas (Suter, 1993).

Ecossistemas urbanos
Nos ecossistemas urbanos, a força da infeção [para este conceito, ver anexo adiante] aumenta geralmente devido ao aumento da abundância de agentes patogénicos adaptados aos seres humanos; as epidemias ocorrem em caso de falha dos sistemas sanitários ou de presença de vetores ou de hospedeiros reservatórios em grande quantidade (o que aumenta a força da infeção).

As infeções de origem alimentar estão entre as mais importantes zoonoses no mundo (EFSA, 2017). Elas são reforçadas em primeiro lugar pela intensificação da criação de animais que seleciona por vezes animais muito suscetíveis a certas doenças zoonóticas. Nesse caso, o número de animais domésticos que servem de hospedeiros reservatórios aumenta, aumneta a força da infeção bem como o risco de infeção humana (Pennington, 2010).

Em segundo lugar, a industrialização da transformação alimentar aumenta os casos de contaminação dos alimentos por agentes patogénicos como [bactérias] Salmonella spp., Campylobacter jejuni e determinadas famílias de Escherichia coli.

A Escherichia coli O157 é uma bactéria responsável por gastroenterites, cujas consequências podem ser graves, incluindo, designadamente, disfuncionamentos renais potencialmente mortais (Newell et al., 2010). A perda da biodiversidade associada à intensificação da produção bovina foi com clareza associada a certas epidemias devido ao aumento da prevalência do agente patogénico nos bovinos, o mais importante hospedeiro reservatório (Donald, Green & Heath, 2001; Jones et al., 2013).

Se os riscos principais residem nas falhas do sistema sanitário, a prevenção nas explorações agrícolas desempenha também um papel importante devido à correlação que existe entre a prevalência da infeção nos bovinos que entram em matadouro e o nível de contaminação ulterior da carne (Loneragan & Brashears, 2005). Vários estudos sobre a administração a título preventivo nos alimentos ou na água dos animais de probióticos ou de cloreto de sódio não evidenciaram resultados probatórios. Não existe igualmente nenhuma prova de que os antibióticos de alvo seletivo reduzam a excreção fecal da bactéria ou que fatores de crescimento administrados aos animais aumentem essa mesma excreção (Sargeant et al., 2007).

Os fatores culturais influenciam amplamente as zoonoses não alimentares. Por exemplo, a prevalência do nemátodo Toxocara canis e do cestoda Echinococcus granulosus (um Platelminta interno em vertebrados), que têm ambos como hospedeiro definitivo os canídeos, está associada a uma má vermifugação dos animais e à disseminação dos parasitas no ambiente por via das suas fezes, ou ainda devido à falta de conhecimentos dos profissionais (Otero-Abad & Torgerson, 2013).

Ecossistemas periurbanos
A caraterística dos ecossistemas periurbanos é a omnipresença dos animais selvagens suscetíveis de contribuir para as zoonoses. Essa associação estreita com os seres humanos (por exemplo os ratos) aumenta a força da infeção nesses ecossistemas. Os outros fatores são uma mistura dos fatores dos ecossistemas urbanos e florestais.

A leptospirose é uma doença bacteriana amplamente espalhada, mas descurada (Bharti et al., 2003), para a qual os roedores, em especial o rato castanho, Rattus norvegicus, são o principal reservatório. Por exemplo, a introdução pelos seres humanos do rato-preto Rattus rattus na ilha de Futuna, na Polinésia, alterou a estrutura e a composição das comunidades de espécies de roedores selvagens e aumentou o risco de leptospirose para os humanos (Derne et al., 2011; Theuerkauf et al., 2013). Esse mecanismo tinha sido demonstrado noutros casos em que as espécies de mamíferos invasoras tinham involuntariamente modificado a composição das comunidades de hospedeiros, e desse modo alterado a dinâmica das zoonoses, e portanto a força da sua infeção (Hubálek, 2003; Nally et al., 2016).

Nos países ditos em desenvolvimento, essa doença é também exacerbada pela urbanização, a infestação pelos roedores e por infraestruturas inadequadas, ou por inundações graves que favorecem a contaminação das águas (Bharti et al., 2003).

A mudança de comportamento nos grupos de risco (por exemplo, veterinários e amadores de desportos náuticos) é outro fator determinante da incidência da leptospirose, devido ao aumento dos contactos com as espiroquetas (grupo de bactérias) nas zonas onde são abundantes os roedores infestados (Garvey et al., 2014).

Ecossistemas florestais
Os humanos estão menos presentes nos ecossistemas florestais, no seio dos quais a força da infeção de uma doença varia de acordo com:
– a frequência ou a quantidade das intrusões humanas nesses ecossistemas,
– as degradações do habitat,
– as variações sazonais e anuais das populações de animais reservatórios,
– as modificações na composição das espécies.

A equinococose provocada pelo verme plano Echinococcus multilocularis provoca infeções que podem ser graves para os humanos. E. multilocularis tem por hospedeiros definitivos os canídeos selvagens (raposa-vermelha) e domésticos (cães) e por hóspedes intermediários – os roedores. A abundância de raposas é por isso um contribuidor de primeiro plano para a força da infeção dessa doença.

Ora a dinâmica da infeção mudou em determinadas partes da Europa, pois a dimensão das populações de raposas no continente aumentou nas últimas décadas, em parte devido ao êxito das campanhas de vacinação antirrábica, mas também à adaptação das raposas aos meios urbanizados (Otero-Abad & Torgerson, 2013). A população de raposas, de facto, estava «controlada» pelo vírus da raiva responsável por mortalidades importantes. Por isso, a campanha de vacinação antirrábica, cujo objetivo era a proteção das populações humanas, teve um efeito secundário inesperado: uma transmissão acrescida do verme aos humanos (Combes et al., 2012; Schneider, Aspöck & Auer, 2013; Schweiger et al., 2007).

O segundo fator que agiu sobre a força da infeção foi a presença humana nas florestas. Por fim, há fatores de risco específicos ligados à posse de um cão de caça, o facto de viver numa exploração agrícola ou quinta, ou determinadas profissões como a de agricultor, pois as probabilidades de contacto com os hóspedes definitivos aumentam (Kern et al., 2004).

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

O EFEITO DE DILUIÇÃO

O conceito de efeito de diluição sugere que a biodiversidade natural (e em particular a diversidade das espécies) poderia reduzir o risco de doença, incluindo das zoonoses (Keesing, Holt & Ostfeld, 2006). Um estudo experimental realizado no Panamá (Suzan et al., 2009) demonstrou de facto que a prevalência da infeção com hantavírus nas populações reservatórios de roedores selvagens aumentava quando a diversidade dos pequenos mamíferos se reduzia. Esse efeito de diluição mostra-se seguramente atraente para as políticas públicas já que, quando funciona assim, uma única medida, o aumento da biodiversidade, responde simultaneamente às exigências de conservação e às exigências sanitárias por meio da redução dos riscos de doenças infeciosas para a saúde humana e dos animais selvagens (Keesing et al., 2010; Pongsiri et al., 2009).

A doença por vetor mais espalhada nas regiões temperadas do hemisfério Norte é a doença de Lyme, uma das primeiras para as quais a diluição por meio da biodiversidade foi evocada como solução para reduzir a taxa de transmissão no ambiente e consequentemente o risco de doença (LoGiudice et al., 2003; Keesing, 2012). No entanto, foram apresentados argumentos sólidos para demonstrar que essa hipótese nem sempre se confirmava noutros contextos locais (Lafferty & Wood, 2013; Ogden & Tsao, 2009; Randolph & Dobson, 2012).

A doença de Lyme é causada pelas bactérias das espécies Borrelia burgdorferi sensu lato e é transmitida pelas carraças das espécies Ixodes ricinus. É uma zoonose por vetor cujos mecanismos e ciclos são ainda mais complexos, pois ela implica os vetores e a manutenção do agente patogénico ou do parasita no ambiente. Este último pode, portanto, desempenhar a priori um papel de relevo na emergência ou na transmissão das doenças.

Os hóspedes reservatórios dos agentes patogénicos são principalmente pequenos mamíferos e passeriformes que se alimentam no solo, mas os grandes mamíferos, se bem que sejam reservatórios não competentes para a transmissão da doença, são necessários para que as carraças terminem o seu ciclo de vida (Gray et al., 1998).

Os veados são na maioria das vezes associados à doença, pois ocupam os mesmos habitats que os hóspedes reservatórios das bactérias. Assim, o risco de infeção para os humanos aumenta nos ecossistemas florestais ou quando os hóspedes reservatórios e os veados se acotovelam nos ecossistemas periurbanos (Rizzoli et al., 2014). Quanto ao gado, ele apresenta a priori menos riscos, principalmente porque é em maioria criado em habitats abertos que não permitem a sobrevivência das fases não parasitárias sensíveis à desidratação.

Essa doença ilustra a complexidade que pode existir na dinâmica da transmissão de um agente patogénico que circula entre vários vertebrados hospedeiros, e possui um vetor, I. ricinus, que se alimenta ele próprio em hospedeiros reservatórios e não reservatórios dos agentes patogénicos. Assim:

– Em contexto agrícola, uma vasta população de carraças não está forçosamente associada a um risco mais forte de doença (Jaenson et al., 2009). Com efeito, mesmo se enormes populações de carraças podem sobreviver em ovelhas e bovinos em territórios que podem alimentar todos os estádios e na ausência de outros hospedeiros (Milne, 1949), as carraças não transportam ou transportam muito poucas Borellia devido ao número relativamente fraco de pequenos mamíferos presentes (Gray et al., 1995; Matuschka et al., 1993).

– A sobrevivência das carraças nos habitats agrícolas de vegetação rasa é contudo possível, como se demonstrou na Irlanda, em especial a oeste do rio Shannon, e seria também possível na Europa continental, mas em bem menor medida.

– Apesar do fraco teor de infeção atual das carraças nas paisagens agrícolas, como na Irlanda, a frequência das espécies de Borellia associadas a aves (tais como B. garinii de que certas famílias são zoonóticas), no noroeste da Europa (Kurtenbach et al., 2006; Pichon et al., 2005; Rauter & Hartung, 2005; Saint Girons et al., 1998), poderia a prazo arrastar uma subida importante dos teores de infeção, dado que o arvoredo e a rearborização aumentam a riqueza e a diversidade das espécies de aves (Graham et al., 2015). Essa situação é a inversa da que foi documentada nos Estados Unidos, onde se sugeriu que o aumento da biodiversidade reduziria a força da infeção ao desviar uma parte da população de carraças dos hospedeiros reservatórios portadores de B. burgdorferi s.l. (Ostfeld & Keesing, 2012).

– O processo de reflorestação em numerosas partes da Europa ocidental está já em curso e falta determinar se dele resultará um aumento da incidência da doença de Lyme.

Conclusão para a gestão do risco zoonótico
As estratégias de intervenção devem ter em conta os novos constrangimentos ligados às alterações ambientais que modificam as dinâmicas das infeções (Foley et al., 2005; Karesh et al., 2012) e devem adaptar-se às situações locais (Lewis et al., 2014) para ter em conta as diferenças nas forças das infeções.

Considerando os riscos ligados às emergências de zoonoses em ligação com alterações no uso dos solos (Jones et al., 2013; Kilpatrick, 2011; McCauley et al., 2015), é necessário realizar uma avaliação completa do impacto ecológico dos grandes projetos que implicam alterações da paisagem em grande escala, incluindo o risco zoonótico (por exemplo a modificação ou intensificação das terras agrícolas e a urbanização) (McMahon et al., 2015 ; CIEEM, 2016).

Ecologia da paisagem na avaliação
As especificações dessa avaliação do impacto ecológico estão ainda por fazer, mas a ecologia da paisagem poderia contribuir para elas (Hartemink et al., 2015) por via de programas informáticos como FRAGSTATS (McGarigal, Cushman & Ene, 2012) com vista a quantificar a configuração da paisagem e da sua composição.

Além disso, a interconexão dos humanos, do gado e da fauna representa um aspeto chave para numerosos desafios globais que temos que enfrentar.

Planificação territorial
Os fatores que levam às doenças humanas, incluindo as zoonoses, dependem do contexto e da espécie de patogéneo ou de parasita e apresentam variabilidade espacial e temporal (Civitello et al., 2015; Keesing et al., 2010; Salkeld et al., 2013; Salkeld et al., 2015). A planificação territorial apoiada na ecologia das comunidades é por isso necessária para compreender e gerir as epidemias de zoonoses num contexto «de uma saúde única» [saúde humana, saúde da fauna e da flora, saúde do ambiente são uma coisa só] (One Health, Hassell et al., 2017), sendo que essa abordagem tem um efeito benéfico claro para a saúde pública (Myers et al., 2013). Por outro lado, quando as zoonoses implicam artrópodes vetores ou hospedeiros intermediários parasitas, a complexidade aumenta e o número de fatores em jogo também. Nesses casos, torna-se mais difícil uma intervenção eficaz.

A gestão eficaz das zoonoses depende, por isso também, do avanço dos conhecimentos e nomeadamente dos fatores chave que estão na origem da emergência da doença. É indispensável dispor de dados de experiências de terreno e de laboratório que modelizem o melhor possível a complexidade dessas epidemias (Johnson et al., 2015).

Investigações futuras
Para proporcionar uma panorâmica completa do risco provável, as investigações futuras deveriam tirar partido dos conhecimentos, em termos de

– ecologia da doença,
– fatores que influenciam a abundância dos agentes patogénicos e dos parasitas e da sua adaptação e interações num contexto do Antropoceno,
– uma melhor compreensão dos aspetos da história de vida dos reservatórios vertebrados da zoonose, dos hóspedes intermédios e dos artrópodes vetores (se for caso disso),
– da ligação entre esses fatores ecológicos e as alterações nas paisagens.

A gestão interdisciplinar dessas zoonoses, integrando a planificação da utilização das terras com uma visão integrativa de «uma só saúde», só obterá bons resultados por meio da realização de estudos empíricos padronizados, normalizados e realizados com controlos e réplicas de testes experimentais a grande escala territorial e de longo prazo.

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

A FORÇA DA INFEÇÃO – ANEXO 1
A força da infeção: indicador do risco de transmissão das doenças zoonóticas

Devido à dinâmica das transmissões por vezes complexas de numerosos agentes zoonóticos (incluindo a ecologia dos reservatórios animais e dos seus vetores), os seus fatores de emergência ou de propagação são múltiplos e muito dependentes do ambiente, e foram por isso ligados a uma série de variantes ambientais, ecológicas e geográficas (Jones et al., 2008; Plowright et al., 2017).

As políticas de saúde pública, para serem eficazes, devem poder prever os riscos e, para isso, é necessário dispor de indicadores pertinentes. Um deles é a força da infeção de uma doença, que, associada à suscetibilidade da população humana determinará se a infeção se produz ou não.

A força da infeção (modificada, de Davis, Calvet & Leirs, 2005) é uma medida da capacidade patogénica de infetar os humanos, e depende da zoonose considerada e do seu contexto ecológico e cultural. Ela representa o [número de contactos que potencialmente podem gerar uma transmissão num determinado perído] x  [nível de contaminação do ambiente ou da prevalência da infeção no hospedeiro reservatório ou a população de vetores] x [probabilidade que a transmissão ocorra após contacto]. Ela corresponde à taxa a que os indivíduos sensíveis (ou seja, suscetíveis de estarem doentes] são infetados por unidade de tempo (por exemplo 50 por cento da população sensível infetada num ano).

A força da infeção é utilizada para:

– comparar diferentes doenças ou a sua transmissão em diferentes grupos de risco,
– medir a facilidade com a qual uma infeção se transmite à população humana a partir de uma origem animal, em diferentes ecossistemas,
– estimar a capacidade do ambiente para difundir as doenças,
– medir a eficácia da intervenção dos serviços de saúde por meio da diferença entre a força de infeção antes da intervenção (qualificada de «intrínseca») e após a intervenção (qualificada  de «real»).

Na prática, é muito difícil estimar com precisão a força da infeção, devido ao grande número de variáveis de que ela depende, e nomeadamente dos seguintes fatores:

– perturbações ecológicas induzidas pelas alterações de uso dos solos,
– clima e meteorologia,
– natureza dos parasitas e dos seus hospedeiros intermédios,
– natureza dos vertebrados e dos seus hospedeiros reservatórios,
– natureza dos artrópodes vetores,
– eficácia das estratégias de intervenção (prevenção e controlo).

Por exemplo, uma modelização matemática demonstrou que a força da infeção da equinococose na raposa-vermelha era periódica, de amplitude variável, diferindo nitidamente em função das estações e dos habitats urbanos e periurbanos.

 

Foto Raimundo Quintal. Com os nossos agradecimentos.

 

FUNDAÇÃO PARA A INVESTIGAÇÃO EM BIODIVERSIDADE – ANEXO 2

A Fundação para a Investigação em Biodiversidade (FRB – Fondation pour la Recherche em Biodiversité) foi criada em 2008 [na sequência do programa do governo francês de negociação e concertação com a sociedade civil em matéria de ambiente, conhecido como Grenelle do Ambiente] por iniciativa dos ministérios encarregados da pesquisa e da ecologia, por oito entidades públicas de investigação, a que se juntaram mais tarde outras, sendo 10 atualmente os membros fundadores.

A Fundação tem por missão apoiar a investigação e agir por meio dela, por forma a aumentar e transferir os conhecimentos sobre a biodiversidade. É membro associado da Aliança nacional francesa de investigação para o ambiente (AllEnvi). É uma fundação de cooperação científica de direito privado que exerce as suas atividades de modo totalmente independente e dispõe de cerca de 20 assalariados. O presidente é Jean-François Silvain e a diretora é Hélène Soubelet.

Visão da Fundação
Os estudos científicos são claros. A erosão da biodiversidade está em aceleração. Essa constatação, reiterada pelas recentes avaliações regionais e no último relatório mundial do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), realça como é urgente pôr em prática soluções para travar tal derrocada. A ciência é indispensável para acompanhar os esforços necessários e favorecer comportamentos sociais e económicos menos prejudiciais, ou até mesmo favoráveis à biodiversidade, convicção que a Fundação pretende transmitir.

 

ÁRVORES DOS AÇORES

Para encerrar esta série de artigos Natureza e Biodiversidade 2020, nada melhor que um livro sobre árvores.
Ao chegar aqui, o leitor já conhece bem o nome de Raimundo Quintal, pois é o autor da maior parte das fotografias que foram deslizando ao longo do rol de textos acima, madeirense mas grande conhecedor dos Açores. Co-autor do mesmo livro, Teófilo Braga, açoriano, micaelense, forma com Raimundo Quintal uma equipa que nos oferece este resultado brilhante, patente no livro em causa. E outros livros sobre árvores dos Açores mas de outras ilhas se vão seguir. A Campo Aberto, na sua lojinha, tem à venda este livro. Preço €31,00 + €2,00 para contribuição para os portes, visto que pode ser adquirido por via postal, de momento até o modo de aquisição mais prático. Para informações e encomendas: contacto@campoaberto.pt

 

3 Comments

  1. José Pedro

    Julgo que é uma visão dita científica que estabelece uma série de conexões que podem muito bem ter outras causas.Para quem só admite causas materiais e afasta da investigação como não sendo reais todos os factores imateriais esta teoria é uma hipótese ´.
    Se porventura, como acontece com a evolução intervierem factores não só exteriores mas também ideais, não materiais, esta investigação diz pouco.
    B. Pedro

    Reply
  2. Maria Augusta de Souza-Soares da Silva

    Gostei muito…está muito bem explicado e tem muito interesse para se perceber o mundo e a nossa participação nele…
    Obrigada.

    Reply
  3. Joao Pacheco

    Andam uns tão poucos, apelidados de maluquinhos, a difundir conceitos e abordagens compreensivas da natureza. Todos ignoraram, malbarataram. Fizeram como quiseram. A desgraçarem-se e a debitar soluções para que tudo fique como ontem. Derramam dinheiro como se fosse essa a solução. E os ditos maluquinhos soterrados em tamanhas barbaridades. Mas é o que temos.
    Muito bom. Obrigado, Teófilo e Quintal.

    Reply

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