Energia, sistemas duros ou sistemas suaves?

by | Set 28, 2014 | sem categoria | 2 comments

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girassol

A ENERGIA VISTA NAS ORIGENS DO DEBATE ENERGÉTICO: OS «AMIGOS DA TERRA» EM 1977
OU O PONTO DE VISTA DO MOVIMENTO ECOLÓGICO

(As imagens de eólicas e de instalação de painéis fotovoltaicos, mais abaixo, pertencem à revista The Mother Earth News, fundada em 1970 e que ainda hoje continua a exprimir o movimento de autossustentabilidade energética a par da autossustentabilidade alimentar, o «back-to-the-land-movement» ou de regresso à terra. Veja: www.MotherEarth News.com)

Pode ser útil ainda hoje verificar quais os ângulos de análise que diferenciavam o movimento ecológico nascente nos anos 1960-70 das tendências mais oficiais em matéria energética. Este texto publicado em 1977 (aqui traduzido e adaptado) dá-nos uma ideia dos grandes temas da questão energética vistos por uma das mais dinâmicas organizações internacionais ecologistas, no seu ramo francês (Les Amis de la Terre). Friends of the Earth – FOE – foi fundada nos Estados Unidos da América e ainda hoje prossegue a sua ação a nível mundial. A utilidade deste texto pode ser a de reavivar a complexidade, interdependência e caráter holístico do problema energético, hoje muitas vezes visto isoladamente de todo o seu contexto ecológico e social, e servir assim de grelha de leitura mais fecunda para a análise dos problemas atuais.

Se é facto que muitos dos aspetos circunstanciais considerados no artigo mudaram e evoluíram, mantém-se de toda a atualidade a questão posta: a necessidade de optar pela via dura ou pela via suave em termos de futuro energético, ou uma ou outra, sem menosprezo da necessidade de uma transição de uma para a outra, transição para a qual deveria ser reservada a maior parte das reservas de combustíveis fósseis existentes, em vez do seu uso corrente que as considera na prática como ilimitadas e eternas (o que, por outro lado se sabe bem ser falso). Curiosamente, alguns dos mais promissores movimentos ecológicos atuais em todo o mundo, e que têm vindo a ganhar terrreno também em Portugal, intitulam-se precisamente movimentos de «transição». (Talvez que, na atualidade, seja de perguntar se por vezes organizações como os FOE e a Greenpeace não negligenciam aspetos de defesa da paisagem rural e da conservação da natureza na sua ânsia de promoverem a energia eólica e outras renováveis. A debater.) [Seleção, tradução, nota introdutória e outras notas: José Carlos Marques].

Texto dos Amigos da Terra (Les Amis de La Terra, 1977):

Uma eólica em pequena escala, alternativa localizada aos parques eólicos em massa

Uma eólica em pequena escala, alternativa localizada aos parques eólicos em massa

Nós não temos necessidade de petróleo, de eletricidade nuclear ou de carvão enquanto tais. Temos necessidade de alojamentos confortáveis, de luz, de alimentos, de meios para nos deslocarmos, etc. Qualquer discussão sobre energia deve pois centrar-se nas utilizações finais que queremos fazer dela.

Pelo menos metade dos acréscimos de produção de energia nunca chega ao consumidor. Porque essa energia perde-se nas conversões complicadas de «cadeias energéticas» cada vez mais ineficazes, hoje dominadas pela produção de eletricidade, que perde cerca de dois terços do combustível inicial.

A quantidade de bens e de serviços disponíveis está pois muito menos ligada à quantidade de energia produzida do que aquilo que afirmam os meios oficiais. Assim, entre 1930 e 1960, a produção de energia cresceu lentamente em França, ao ritmo de 1 por cento ao ano. No entanto, a França conseguiu, durante esse período, apagar as consequências da guerra, instaurar as férias pagas e a Segurança Social e aumentar nitidamente o bem-estar dos cidadãos. Depois, a partir de 1960, com a compra intensiva de petróleo, o nosso consumo de energia começou bruscamente a crescer em 5 a 6 por cento ao ano, duplicando em cerca de 13 anos. Ora, com a multiplicação das poluições e das potências que só o «banquete» energético podia permitir, seria uma falsidade afirmar que o bem-estar dos franceses tenha aumentado cinco a seis vezes mais depressa que no período anterior. Para encontrar uma França que consumisse duas vezes menos energia que hoje, deve procurar-se por volta de 1962, não na Idade Média ou na época das cavernas. (É habitual que os defensores do aumento indefinido de produção de energia acusem os seus críticos de quererem obrigar as pessoas a regressar à «idade das trevas» ou à época das cavernas – nota do tradutor.)

Que aspeto teria o país se consumisse mais eficazmente, se repartisse mais equitativamente os bens e os serviços e se beneficiasse das vantagens importantes – mas pouco energívoras – da higiene moderna e das telecomunicações?

UTILIZAÇÕES DA ENERGIA
Na Europa Ocidental, mais de metade da energia consumida no ponto de utilização é consumida sob a forma de calor de baixa temperatura (digamos até 100º) para usos domésticos, terciários ou industriais. Mais de 20 por cento produz movimento sob forma mecânica: veículos de transporte, motores industriais, oleodutos. A percentagem das utilizações em que a eletricidade é realmente necessária (iluminação, eletrónica, telecomunicações, motores elétricos industriais e domésticos, eletroquímica, eletrometalurgia, comboios, metro…) é muito fraca, cerca de 7 a 8 por cento. O resto destina-se a calor a alta temperatura e ao movimento de veículos dificilmente eletrificáveis.

Para a França, os dados sobre a repartição da energia consumida no ponto de utilização entre esses quatro setores principais (calor a baixa temperatura, calor a alta temperatura, veículos pouco eletrificáveis, usos específicos da eletricidade) são aproximativos. Porque nenhum organismo até agora se deu ao trabalho de os avaliar com precisão: é em vão que membros da comissão «Energia» do 7.º Plano (na época, um instrumento oficial de planeamento económico, n. do t.) tentaram obtê-los. Ora, é muito mais importante conhecer essa repartição da energia por «utilizações» do que a sua repartição por «fontes».

Assim, a eletricidade é, fisicamente, uma forma de energia demasiado nobre e demasiado preciosa – dois terços da energia dos combustíveis fósseis ou nucleares perde-se quando da transformação em eletricidade – para ser delapidada em utilizações inferiores como o aquecimento elétrico. Quando se procura apenas criar diferenças de temperatura de algumas dezenas de graus, é preferível não o fazer com chamas ou reações nucleares que atingem milhares ou milhões de graus: seria o mesmo que cortar manteiga com uma serra mecânica.

Ora, nos últimos anos, a eletricidade representou cerca de 20 por cento da produção francesa de energia, sendo 30 por cento dessa eletricidade de origem hidráulica. De modo que a eletricidade hidráulica cobre 6 por cento do nosso consumo de energia. Não estamos longe da percentagem – 7 a 8 por cento das necessidades – em que a eletricidade é indispensável. A diferença poderia ser preenchida por instalações a fio de água, de pouco impacto ecológico. Com instalações cujo impacto ecológico é mais importante, mas nos quais a longa duração de vida constitui um elemento favorável (barragens difíceis, instalação maremotriz que barra toda a baía do Monte St. Michel e que pode produzir uma quantidade de eletricidade da mesma ordem de grandeza que as instalações hidráulicas já existentes), o país ficaria bem servido. (Os inconvenientes das grandes barragens e de instalações que possam prejudicar património construído valioso, como a maremotriz citada, são hoje mais reconhecidos que na época em que este artigo foi escrito, n. do t.)

TRUQUES TÉCNICOS
Sem mudar os estilos de vida e os hábitos de consumo, seria já possível reduzir as perdas de energia entre a produção e as utilizações por meio de medidas variadas como o isolamento térmico, as bombas de calor, motores mais eficazes, um melhor afinamento da iluminação e da climatização dos edifícios, a recuperação do calor industrial (por exemplo para produzir eletricidade através da cogeração), a substituição de lâmpadas incandescentes por tubos de néon, etc. Conseguir-se-iam importantes economias de energia com uma reciclagem generalizada das matérias primas: por exemplo a reciclagem do alumínio exige oito vezes menos energia que a sua produção a partir do minério.

Entre essas medidas, contam-se aquelas que consistem simplesmente em abster-se de certas aberrações: como a de instalar uma fábrica de secagem artificial de fenos em vez de deixar o sol e o vento fazê-lo; ou substituir a vegetação por relva sintética; ou excluir, instalando vidraças que não se podem abrir, as possibilidades de climatização natural dos edifícios que se constroem; ou empreender «grandes obras» cujo interesse para o país é mais que duvidoso.

A essas medidas chamamos truques técnicos («technical fixes» em inglês). Numerosas análises mostraram que ficam em geral muito menos caros, sendo muito mais rápidos, seguros, duradouros e criadoras de emprego que o aumento de produção inicial de energia. Construir aparelhos domésticos mais eficazes é cerca de duas vezes mais barato e cria cerca de duas vezes mais emprego do que construir centrais elétricas correspondentes ao acréscimo da procura de aparelhos menos eficazes. O custo cada vez mais elevado da produção centralizada de energia torna possível investir milhões nas artimanhas técnicas fazendo simultaneamente economias, conservando as reservas de combustível e evitando os problemas ecológicos e geopolíticos ligados ao seu consumo.

Os truques técnicos permitem assim aumentar as utilizações da energia mantendo a produção constante, ou conservar as atuais utilizações com uma produção reduzida. Mas não alteram os sistemas de captação e de distribuição da energia, os nossos estilos de vida, os nossos hábitos – fatores que pode ser desejável alterar. Para vermos melhor o que se poderia fazer nesse sentido, temos que dizer algo sobre a estrutura dos sistemas energéticos.

SISTEMAS ENERGÉTICOS DUROS E SUAVES
Entre as fontes de energia e as utilizações finais, há em geral sistemas muitíssimos complexos para as conversões de energia, para o transporte, a distribuição, etc. Cerca de metade de uma fatura de eletricidade cobre custos fixos de distribuição: linhas de alta tensão, transformadores, cabos, contadores, pessoal para recolher as leituras, planeadores, centros administrativos, computadores para a faturação, informações de serviço, publicidade, etc. A situação é paralela para o petróleo, com os petroleiros, os oleodutos, as refinarias, as estações de serviço, etc. Ver apenas as fontes de energia, e não os sistemas energéticos completos, é abrir caminho a soluções aberrantes.

Podemos conceber dois tipos de sistemas energéticos que, à falta de melhor, chamaremos «duros» e «suaves». A maior parte dos sistemas contemporâneos são duros na medida em que:

– recorrem a fontes de energia não renováveis (carvão, gás, petróleo, urânio),

– a produção de energia é centralizada (nas minas, refinarias, centrais…),

– são pois necessários sistemas poderosos de conversão e de distribuição da energia,

– produções e conversões são fonte de numerosas poluições (químicas, radioativas, térmicas), e de perdas de energia,

–a sua instalação e funcionamento exigem despesas e esforços consideráveis, tanto mais quanto mais se passar das fontes fáceis (petróleo, gás) a fontes mais difíceis (nucleares).

Na Grã-Bretanha, a produção de energia na fonte aumentou muito desde 1900, mas apenas metade desse aumento chegou aos consumidores. A outra metade foi alimentar as indústrias da energia, que são as maiores consumidoras de energia do país.

O programa nuclear francês é outro exemplo: o equivalente de 200 reatores de 1000 MW a mais de 3 mil milhões de francos cada; fábricas de enriquecimento de urânio, acompanhadas cada uma de 4 a 6 reatores para as alimentar, ao preço de uns 20 mil milhões para cada conjunto; instalações de neutralização e tratamento do combustível irradiado; minas e instalações de extração de urânio; sítios (difíceis de encontrar) para armazenar os resíduos radioativos; despesas, ainda difíceis de avaliar, mas provavelmente elevadas, para a desmontagem dos reatores chegados ao fim de vida útil e (se tal se conseguir) para a transmutação dos resíduos de muito longa atividade por meio de reatores especiais; mais o reforço do sistema de distribuição da eletricidade; e ainda os custos impostos aos consumidores para a conversão dos seus aparelhos à eletricidade; mais os custos materiais e sociais por razões da segurança necessária.

Mas assistimos ao aparecimento de um conjunto de técnicas energéticas a que chamamos suaves e que têm caraterísticas opostas. A distinção entre sistemas energéticos duros e suaves assenta muito menos na quantidade de energia utilizada e mais na estrutura técnica e sociopolítica desses sistemas. São estas as caraterísticas dos sistemas suaves:

– utilizam energias renováveis, que existem quer sejam ou não captadas. Essas energias são sobretudo a energia solar diretamente captada e as que dela derivam (cursos de água, ventos, vagas, vegetação), a que se pode adicionar a das marés. Vive-se com elas graças a um rendimento sem esgotar um capital energético;

– são diversificadas, baseadas em grande parte em captações locais que tornam mais leves as tarefas de conversão e de distribuição;

– o seu impacto ecológico é limitado e diz respeito sobretudo à fase de fabrico dos aparelhos de captação;

– são adaptáveis, devido à sua escala e distribuição geográfica, às utilizações finais da energia, já que se baseiam na distribuição gratuita da maioria dos fluxos naturais de energia;

– são flexíveis e, uma vez adquiridos e difundidos os conhecimentos científicos (por vzes subtis) nos quais se baseiam, são acessíveis e podem ser dominadas pelo conjunto da população;

– por fim, muito mais que as centrais e as refinarias dos sistemas duros, os seus componentes podem muitas vezes beneficiar das vantagens da produção em série, sobretudo se forem moduláveis.

CONSTRANGIMENTOS DOS SISTEMAS ENERGÉTICOS DUROS
Além das perdas de energia já evocadas, os sistemas duros exigem pesados investimentos, que incluem trabalho humano, matéria cinzenta e recursos naturais. Esses investimentos crescem rapidamente à medida que nos afastamos das fontes «fáceis» como o petróleo do Médio Oriente. Como incidem sobre todas as fases dos sistemas energéticos, não é fácil avaliá-los com precisão. A título de exemplo veja-se o cálculo de Amory B. Lovins (autor americano crucial na luta do movimento ecológico americano e mundial pelas alternativas energéticas, n. do t.) quanto ao capital necessário para fornecer ao consumidor final, a partir de diferentes fontes, o equivalente de um barril suplementar de petróleo por dia: 15 000 francos com o petróleo do Médio-Oriente; 50 000 a 125 000 F com o petróleo do Mar do Norte ou do Alaska; 100 000 a 250 000 F com os combustíveis líquidos ou gasosos sintetizados a partir do carvão; 750 000 F com a eletricidade produzida por uma central a carvão; 1 000 000 a 2 000 000 F com a eletricidade nuclear. O crescimento desses números mostra a que ponto o petróleo do Médio Oriente desempenhou o papel de um tesouro escondido: a sua descoberta e exploração constituem um acidente histórico que se arrisca a não voltar a acontecer.

Os sistemas duros utilizam em geral recursos não renováveis cujas reservas são limitadas. A estimativa das reservas disponíveis é objeto de controvérsia quanto ao pormenor, mas existe acordo generalizado sobre a sua ordem de grandeza. Ao ritmo de consumo atual ou previsto, as reservas de petróleo, de gás natural e de urânio (sem supergeração) durariam algumas décadas (de 3 a 8). As de carvão e de urânio com supergeração durariam alguns séculos (de 5 a 15). A utilização a grande escala de reatores nucleares supergeradores é aliás problemática – tão problemática como a fusão nuclear controlada – pois que, além dos seus perigos específicos, a neutralização e tratamento industrial do seu combustível depara com dificuldades que parecem cada vez mais difíceis de superar.

O impacto ecológico dos sistemas energéticos duros começa a ser bem conhecido: poluições químicas ligadas às combustões e às conversões, marés negras, escórias das minas, , minas a céu aberto, poluição térmica das águas pelas centrais a combustível fóssil ou nuclear, emissões de rotina ou acidentais de radioatividade. Se algumas poluições são evitáveis (por exemplo por transformação de um efluente poluente num resíduo menos poluente por meio de reações químicas apropriadas) ou temporárias (podendo a natureza eliminá-as se as causas desaparecerem), não há nenhuma maneira de acelerar a diminuição da radioatividade dos materiais produzidos pela indústria nuclear.

A multiplicação das centrais nucleares abre também caminho à proliferação das armas atómicas já que qualquer país que possua uma tal central pode, mediante alguns perigos para alguns trabalhadores, instalar uma oficina de tratamento do combustível irradiado que lhe fornecerá as poucas dezenas (ou centenas) de quilos de plutónio necessários para um armamento atómico. Numa economia da supergeração, as manipulações e os transportes de plutónio oferecem igualmente oportunidade para roubos e chantagens.

O impacto ecológico dos sistemas duros alimenta-se a si próprio. Assim, num ar pouco poluído, é possível secar gratuitamente a roupa ao sol. Mas, quando se vive num meio poluído, perto de uma central a fuelóleo por exemplo, tem que se ter um secador de roupa elétrico e aumentar assim a poluição ligada à produção de eletricidade.

Por fim, pelo seu gigantismo e complexidade, os sistemas duros são particularmente vulneráveis aos erros técnicos e aos erros de previsão, erros esses que, neste domínio, «não perdoam». A inércia desses sistemas, que alimenta a inércia intelectual dos seus dirigentes e criadores, torna-os muito difíceis de os adaptar a circunstâncias em mudança. As pretensas economias de escala – mito sobre o qual muito haveria a dizer – não seriam capazes de compensar essa vulnerabilidade.

Instalando painéis fotovoltaicos no telhado de uma casa

Instalando painéis fotovoltaicos no telhado de uma casa

PERSPETIVAS DOS SISTEMAS ENERGÉTICOS SUAVES
Os pesados constrangimentos dos sistemas duros e as vantagens dos sistemas suaves começam a ser reconhecidos no plano teórico. Mas recorre-se muitas vezes ao pretexto de estes últimos não estarem rapidamente disponíveis em grande escala com a intenção de atribuir aos esforços feitos para os alcançar uma dimensão irrisória. Veja-se a descrição de algumas perspetivas a que se poderia chegar, em algumas décadas, com um vigoroso plano de pesquisa e de desnvolvimento postos em marcha desde já.

Comecemos por dissipar uma confusão que consiste em crer que o recurso às «energias suaves» consiste apenas em inserir fontes renováveis e não poluentes em sistemas energéticos duros: grandes centrais solares nos desertos, parques de eólicas gigantescos, instalações gigantes para explorar as marés ou as diferenças de temperatura dos mares, ou mesmo satélites do tamanho da Torre Eiffel para captar energia solar. Talvez em parte aceitáveis como transição, esses projetos têm muito poucas das vantagens dos sistemas doces. Omitem, por exemplo, fundamentarem-se nas utilizações finais da energia.

Para obter calor a baixa temperatura, as técnicas solares – bem como a geotermia a título transitório – são as mais promissoras. Os exemplos de casas parcialmente solares (com aquecimento auxiliar a gás, fuelóleo ou eletricidade) são já numerosos. Na nossa latitude (França), uma casa totalmente solar exige de momento um sistema de armazenamento de calor verão-inverno só realizado nalgumas casas experimentais muito cuidadosamente estudadas (Dinamarca, Canadá). Em todos os casos, é necessária uma arquitetura apropriada e cuidadosamente adaptada a cada ambiente. Poderia permitir utilizar coletores solares «passivos» e menos onerosos. Os edifícios solares maiores que a casa individual levantam problemas mais complexos. Mas começam a ser construídos (escolas…). O facto de as perdas de calor a compensar serem sobretudo função da superfície exterior, e de as possibilidades de instalar coletores solares serem proporcionais a esta, leva a pensar que esses problemas não são insuperáveis se forem energicamente abordados. A solarização do habitat existente exige coletores e sistemas auxiliares. Firmas como Philips, Revere, Honeywell, etc. começam a construir o material correspondente. Exceto para a construção de casas parcialmente solares, os preços são de momento elevados. Mas, para o restante, pode pensar-se que, quando a comparação dos protótipos tiver permitido ver quais são os melhores sistemas, uma produção em série de coletores e de tubagens fará baixar os preços dos edifícios aquecidos pelo sol. Quanto à obtenção de água quente para usos domésticos, é o setor em que as realizações solares estão mais avançadas.

Para obter calor a alta temperatura exigida por determinados processos industriais, é necessário concentrar os raios solares, como no forno de Odeillo (França). Será muito provavelmente necessário que os espelhos concentradores sejam montados sobre heliostatos de forma a acompanhar o curso do sol. Alguns protótipos experimentais estão em curso de construção. Mediante vigorosos esforços, esse método de obtenção de calor a alta temperatura poderá estar disponível dentro de algumas décadas.

Quando se sabe que 75 por cento do valor do comércio entre países industrializados se compõem de produtos que o país importador e o país exportador ambos fabricam, que a situação é análoga para o comércio interregional, e que muito do transporte de pessoas seria vantajosamente substituído por telecomunicações, damo-nos conta que o nível atual dos transportes poderia baixar muito. Os sistemas energéticos suaves inserem-se por outro lado na perspetiva de uma maior autossuficiência dos grupos humanos, o que reduziria ainda os transportes. Por fim, há que dar prioridade aos transportes menos energívoros, que são ao mesmo tempo os menos poluentes: comboio, bicicleta, minibus, veleiros… Mas, mesmo a longo prazo, haverá apesar de tudo que garantir transportes não eletrificáveis.

É aqui que intervêm os «combustíveis orgânicos» renováveis. A madeira e o álcool (fórmula química desenvolvida Al-CO-CL) são disso exemplos antigos, mas toda a espécie de plantas podem ser recuperadas ou cultivadas para fornecer energia. Por meio de conversões químicas, algumas das quais podem talvez ser induzidas através de bactérias ou enzimas, é possível extrair, dessas plantas, combustíveis líquidos ou gasosos (etanol, metanol, metano…) a que os atuais veículos rodoviários facilmente se adaptam. Dada a gravidade do problema alimentar mundial, seria de início de utilizar os desperdícios vegetais (raízes de árvores abatidas, cortes de podas, palha, restos de cozinha, etc) sem que isso venha gravemente interferir com uma desejável compostagem. Assim os restos de podas abandonados nas florestas da região de Aube têm um conteúdo energético equivalente ao décimo do consumo atual desse departamento. Se os resíduos não forem suficientes, o que parece provável, será necessário fazer plantações energéticas, de preferência em terras impróprias para culturas alimentares. Por exemplo, nos países tropicais, a eufórbia – uma erva «daninha» tóxica que sintetiza hidorcarbonetos – desenvolve-se bem nesse tipo de terras e fornece até 18 toneladas de equivalente-petróleo por hectare e por ano (meio hectare cobre pois largamente as necessidades energéticas de uma quinta). Mais perto da nossa área geográfica, com uma recuperação das palhas a 50 por cento e uma exploração agrícola de finalidade energética de três quartos das suas florestas (sendo os cortes de podas e sob fuste completamente explorados com essa finalidade), o departamento de Aube cobriria dois terços das suas necessidades atuais com combustíveis orgânicos. Para melhorar os rendimentos, seria necessário experimentar desde já métodos de conversão a alta temperatura, em recintos aquecidos pela radiação solar concentrada graças aos quais o conteúdo energético do combustível obtido seria nitidamente aumentado pelo contributo da energia solar. (O tema dos biocombustíveis viria, no final do segundo milénio e início do terceiro, a seguir um caminho que precisamente entrou em conflito com a necessidade de utilização de terrenos para a agricultura, o que neste artigo se previra mas se afastara como indesejável; assim, em vez de se tornarem numa esperança ecológica, os biocombustíveis atualmente utilizados são em grande parte, sobretudo nas grandes plantações de palma em países da Ásia ou África, ou de milho ou cana de açúcar nas Américas, um desastre ecológico e não uma alternativa, n. do t.)

Restam os usos específicos da eletricidade. Vimos que, mediante um desenvolvimento por caminhos experimentados, os recursos hidráulicos e maremotrizes da França poderiam ser suficientes para isso. Mas, como são produções centralizadas e como razões ecológicas podem contra-indicar o equipamento maremotriz de toda a baía do Monte Saint-Michel, seria muito importante optar pela pesquisa e desenvolvimento relativos às produções descentralizadas de eletricidade: eólicas, coletores de energia das vagas, células solares, etc. O preço dessas células solares é hoje muito elevado (380F nos Estados Unidos para uma potência média de 1 watt, ou seja de 5 watts em pleno sol). Mas o preço começou a diminuir e a ERDA (Energy Research and Development Administration, americana) espera atingir por 1986 preços da ordem de 3 a 12 F o watt (potência média). A 3 F o watt, o solar seria diretamente competitivo com a eletricidade de origem nuclear ou carbonífera.

O vento, o fio de água, as ondas, poderiam também ter outros usos além da produção de eletricidade: acionar bombas e bombas de calor, comprimir o ar. Esse é um interessante processo de armazenamento da energia mecânica. Mais em geral, os sistemas suaves levantam numerosos problemas de armazenamento que será necessário resolver. Para o armazenamento do calor a baixa temperatura, existem desde já os reservatórios de água, as camadas de seixos e os sais fundidos. Parece ser possível armazenar vapor até 300º nas cavidades naturais ou artificiais do solo. Por importantes que tenham que ser, a concretização dos esforços a favor das energias suaves não exige aleatórias novas descobertas científicas ou tecnológicas fora do comum, mas trabalho feito com seriedade, com cuidado, com inteligência. A multiplicidade das soluções imagináveis é outro dos fatores de êxito.

Na mesma ordem de ideias, a dimensão e variedade dos componentes dos sistemas suaves fazem que os erros inevitáveis cometidos durante o período experimental sejam mais facilmente corrigidos que nos sistemas duros. As perdas que essos erros provocarão montarão no máximo à casa dos milhões, certamente não aos milhares de milhões como no caso dos sistemas duros. Havendo vontade política, a passagem aos sistemas suaves é por isso possível em algumas décadas.

Eólica num quintal... contributo para a auto-suficiência local

Eólica num quintal… contributo para a auto-suficiência local

A TRANSIÇÃO
Até lá, será necessário um período de transição. É que os sistemas duros não desaparecerão com uma varinha mágica. Uma boa parte dos nossos modos de vida atuais está exclusivamente adaptada aos sistemas duros (indústria concentrada, transportes numerosos, talvez habitat concentrado). Mas estamos numa encruzilhada. Sem ações voluntárias, as nossas possibilidades de escolha desaparecerão. Retardar o desenvolvimento dos sistemas suaves remetê-los-ia para um futuro tão longínquo que não existiriam então suficientes combustíveis fósseis para assegurar a transição.

Essa transição deve conter três vertentes inseparáveis:

– Os «truques técnicos» que conduzem a economias de energia,

– A instalação progressiva de sistemas suaves, e o deperecimento progressivo dos sistemas duros,

– Para alimentar os sistemas duros em via de deperecimento, só o recurso às fontes «duras» mais simples e mais clássicas deixa capital suficiente, mão-de-obra e matéria cinzenta disponíveis, sem ao mesmo tempo levantar problemas ecológicos de uma ordem de grandeza desconhecida e provavelmente elevada. O que exclui uma transição nuclear, e incita a utilizar o mais inteligentemente possível uma parte dos combustíveis fósseis que restam ao dispor da humanidade.

Assim sendo, o carvão, mais abundante e mais bem repartido que o petróleo e o gás, deve desempenhar um papel primordial. De entre as técnicas carboníferas avançadas, a combustão sobre leitos fluidificados parece promissora devido à sua simplicidade, eficácia e caráter pouco poluente. Há um número de países suficientemente ricos em carvão (Inglaterra, Alemanha, Polónia, ex-URSS…) para que um país relativamente pobre como a França possa cobrir as suas importações por meio de exportações – em especial de alimentos – que sejam mais úteis e menos aleatórias do que, por exemplo, a venda de centrais nucleares ao Irão ou de armas à Arábia Saudita. Aliás, a renovação do carvão é muito mais suscetível de limitar a subida vertiginosa dos preços petrolíferos que o desenvolvimento nuclear. (Aparentemente, esta via não tem sido seguida, e a exploração de carvão dita «mais limpa» tem sempre levantado grandes resistências por motivos ecológicos já que o grau de «limpeza» sempre foi controverso; em termos da problemática das alterações climáticas, o carvão parece definitivamente condenado; mas o grande precursor da economia ecológica Fritz Schumacher, autor do célebre livro Small is beautiful, estava também ele convencido que o carvão teria um papel a desempenhar na transição, n. do t.)

A opção deve ser feita rapidamente pois que as condições atuais, já difíceis, não se reproduzirão. Alguns pensam que podemos utilizar o petróleo e o gás para nos encaminharmos para uma economia baseada no carvão e no nuclear e, a seguir, utilizar estes, se o conseguirmos, para nos encaminharmos para tecnologias análogas e dispendiosas (fusão nuclear, solar «duro») num futuro vago. Mas o processo de substituição de que dispomos agora é o último. No passado, as grandes transições energéticas fizeram-se facilmente pois eram alimentadas por combustíveis fósseis de preços decrescentes. Agora, as nossas fontes de energia duras são dez a cem vezes mais exigentes em capital, e assim permanecerão. Não adotar o processo de transição indicado seria cair numa «armadilha de capitais» e nela ficarmos bloqueados definitivamente.

ENERGIA E SOCIEDADE
A utilização massiça das energias armazenadas foi e é ainda vista como um fator de progresso. Na realidade, ela foi antes o substituto de outras coisas. Substituto da reflexão quando permite a construção de habitats padronizados que não têm minimamente em conta as condições locais, ou a instalação de monoculturas e de mono-indústrias que dependem de poderosos sistemas de transportes. Na agricultura, substitui-se aos sistemas naturais ou seminaturais, à energia que eles retiram do sol, de modo que comemos trigo ou batata parcial ou totalmente feitos com petróleo. Para produzir 1000kcal em forma de milho, gastamos hoje cerca de 400kcal (não solares) sob forma de máquinas agrícolas, de combustíveis, de adubos artificiais, de pesticidas, de sistemas de transportes e de apoios terciários, etc.

O caráter duvidoso dessas substituições torna-se perigoso ou absurdo na medida em que as injeções massiças de energia armazenada revelam impactos ecológicos negativos. Já evocámos os dos sistemas energéticos duros. De modo mais geral, o consumo energético à fartazana é uma das causas principais da crise ecológica que atravessamos, pois permite, por exemplo:

– cobrir de betão os campos e as florestas,

– atirar fora os nossos resíduos orgânicos em vez de os compostar, daí decorrendo um empobrecimento contínuo dos solos cultivados,

– abandonar os nossos resíduos metálicos sem os reciclar,

– espalhar desbragadamente nos nossos campos adubos e pesticidas químicos, gastadores de uma enorme energia, que vão em seguida eutrofisar as águas e perturbar as cadeias alimentares e os ciclos naturais,

– tratar a golpes de energia minérios tão pobres que os resíduos de extração provocam poluições e erosões consideráveis,

– preferir o automóvel poluidor aos transportes coletivos menos poluentes e à bicicleta nada poluente. O uso irrfletido da energia está também na origem da crise económica na qual acabámos de entrar e da qual não sairemos sem agir sobre as suas causas verdadeiras, que são ecológicas. Os investimentos habitualmente escolhidos são ao mesmo tempo energívoros e inflacionistas no sentido em que deles decorrem inevitavelmente outros: substituição dos objetos por obsolescência programada, importações de combustíveis, infraestruturas rodoviárias e aeroportuárias, reparação dos prejuízos causados pelos acidentes (em especial rodoviários), material antipoluição, cortinas antirruído, repercussões das frustrações (delinquência, televisão…), etc.

No plano muito imediato do emprego, no qual porém a solução simples da diminuição do trabalho de cada um está disponível embora pouco aplicada, é essencial saber que o número de empregos criados não é proporcional nem ao capital investido nem à energia dispendida. Existem consideráveis variações segundo os setores de atividade; em setores duros (estaleiros navais, energia, metalurgia…), a criação de um emprego custa entre um e dez milhões de F, o que é da ordem de várias vidas de trabalho. Depreende-se mesmo das tabelas e gráficos disponíveis que, a investimento igual, o número de empregos criados varia em sentido inverso da quantidade de energia dispendida.

Os fortes consumos de energia, e sobretudo os sistemas energéticos duros, são geradores de desigualdades. Sendo já cada vez mais ruinosos para os países industrializados, os sistemas energéticos duros não estão ao alcance do Terceiro Mundo: ao preço da central nuclear junta-se o das linhas que levam a corrente às aldeias e o dos aparelhos de utilização elétrica. Seria muito mais vantajoso disseminar fogões, esquentadores e bombas solares. Se os países industrializados dessem o exemplo de um esforço sério na via «suave» e colocassem à disposição de todos os resultados das suas pesquisas nessa via, a sorte do Terceiro Mundo poderia melhorar nitidamente.

Por outro lado, no próprio seio de um país industrializado, o acesso à energia e a possibilidade de a utilizar estão repartidos de modo muito desigual. A quem serve o Concorde, avião supersónico (depois abandonado, após um acidente espetacular, n. do t.)? Num país, mesmo muito motorizado, em que se depende muito do transporte automóvel, mais de metade da população está excluída da condução (idosos, crianças, deficientes, mulheres em determinados meios…).

Esses são argumentos numerosos a favor dos sistemas energéticos suaves. Pelo contrário, continuar na via dura mergulharia a humanidade num beco sem saída semeado de crises e de sofrimentos de que não poderia já sair. A situação é muito grave mas ainda há tempo de agir, de agir depressa já que, em breve, será demasiado tarde. Se queremos passar aos sistemas energéticos suaves dentro de trinta ou cinquenta anos é desde agora que é necessário empreender em grande escala esforços de investigação, de desenvolvimento e de instalação e, para isso, é desde agora que é necessário dispor do capital, dos recursos, da habilidade técncia e da matéria cinzenta onde eles se encontram.

Os Amigos da Terra – França

publicado em La Gueule Ouverte n.º 153, 13 abril 1977

 

Energia e Clima – uma linha de trabalho da Campo Aberto

Quer participar? Envie um email para contacto@campoaberto.pt

tendo como assunto: Energia e Clima

Pode ver três textos sobre esta linha de trabalho, no e-sítio da Campo Aberto:

Energia e Clima – objetivos de uma linha de trabalho

Uma revista pioneira sobre fontes alternativas de energia

Energia: sistemas duros ou sistemas suaves?

 

 

2 Comments

  1. Pedro Gorgulho

    Boa Tarde,

    Vi os vossos textos.

    https://www.campoaberto.pt/?p=9225
    https://www.campoaberto.pt/?p=9192
    https://www.campoaberto.pt/?p=1309870

    Gosto bastante da ideia (reconstruir uma sociedade centrada nos interesses dos indivíduos que residem no pais e não em interesses que sabe-se lá de onde são). O vosso email foi me referenciado por uma pessoa amiga, julgo que inscrita no vosso site, depois de saber que eu tinha algumas ideias de construir alguns protótipos.

    A verdade é que para quem não tem os conhecimentos necessários acaba por ter várias dificuldades, apesar de haver bastante informação na internet. Acabamos por esbarrar por detalhes que, muito provavelmente, alguém com experiência nos tiraria em 5 minutos…

    Gostava de ser informado de iniciativas vossas e se puder contribuir.

    Com os melhores cumprimentos.

    Pedro Gorgulho

    Reply
  2. Laurinda Sá

    Excelente informação. Atualissima embora publicada há 37 anos.

    Os meus parabéns a que dedica o seu tempo em prol do bem estar da comunidade.

    Laurinda Sá

    Reply

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