PARQUES NATURAIS: TUDO O RESTO ARTIFICIAL?
Colocado em 17 de junho de 2025
Com este título, e em representação da Campo Aberto na Jornada Património Natural, Ecológico e Paisagístico – e Cidadania no concelho de Paredes, que decorreu na tarde de sábado 5 de julho de 2025, li a intervenção que se segue (reproduzida com um ou outro retoque; os subtítulos foram só agora introduzidos).
A intervenção procurou situar a trajetória dos parques naturais e nacionais desde o final do século XIX até hoje em contraponto à artificialização profunda do modo de viver humano que desde a Revolução Industrial no século XVIII vem caraterizando até à atualidade as sociedades modernas.

Caminhada no Monte das Covas, Sobreira, Paredes – Dia Europeu dos Parques Naturais – 24 de maio. Foto: Susana Neves
PARQUES NATURAIS: TUDO O RESTO ARTIFICIAL?
A Campo Aberto – associação de defesa do ambiente agradece à Câmara Municipal de Paredes e ao seu Departamento de Ambiente, em especial ao Eng. João Costa, à Junta de Freguesia de Sobreira, na pessoa do seu Presidente, Sr. João Gonçalves, e à APRISOF – Associação de Proteção dos Rios Sousa e Ferreira, representada pelo Professor Ângelo Neto, por terem aceite, por proposta nossa, constituir uma parceria para a realização desta Jornada Património Natural, Ecológico e Paisagístico – e Cidadania no concelho de Paredes.
Para concretizar a jornada, foi-nos proposto pela Câmara Municipal de Paredes o dia 24 de maio. Circunstâncias diversas obrigaram-nos a adiá-la para hoje, 5 de julho. Mas permanece válido recordar aqui o Dia Europeu dos Parques, ou dos Parques Naturais, em que se celebram, todos os anos desde 1999, as Áreas Protegidas, habitualmente em 24 de maio. De facto, sendo o concelho de Paredes parte integrante da associação de municípios que criou o Parque Serras do Porto, pareceu à Campo Aberto que qualquer dia é apropriado para uma Jornada que se inspira no lema «Espaços Verdes e Vivos – um Futuro para a Área Metropolitana do Porto», que, tal como o Parque, tem em vista valorizar o património natural. Lema esse que é também o título de um livro por nós editado em 2017, e que quisemos oferecer aos participantes aqui presentes. Esse é um tema em que a nossa associação trabalha desde 2006, ou seja desde seis anos após a sua fundação, e que tem mantido sempre no seu horizonte, e manterá decerto no próximo futuro.
24 de Maio Dia Europeu dos Parques Naturais
Como ia dizendo, recordar o Dia Europeu dos Parques Naturais (e incluímos aqui todo o tipo de áreas naturais protegidas, grandes ou pequenas), é também saudar a criação em 2014 da Paisagem Protegida Parque das Serras do Porto, para o qual foi criada a Associação de Municípios do mesmo nome, sendo Paredes um dos três municípios fundadores. Com esse Parque, em cujo território já anteriormente existia o Sítio «Valongo» da Rede Natura 2000, de âmbito europeu, que envolve também o concelho de Paredes e o de Gondomar, foi dado um impulso decisivo à transformação da paisagem local. Embora haja ainda um longo caminho a percorrer para que tal transformação imprima às serras do Parque um cunho mais marcadamente autóctone, e por isso menos artificializado, o Parque traçou já com clareza para onde quer ir.
Consciência crítica da Revolução Industrial
Os parques naturais são um dos elementos com que há que contar no desígnio de restauro ecológico definido recentemente como imperativo pelas instituições da União Europeia. O movimento mundial dos Parques Naturais (alguns dos quais se designam como Parques Nacionais) nasceu da consciência de que a revolução industrial, devido às profundas transformações que implicou, arrastando consigo uma artificialização generalizada da vida social e económica, precisava de ter como contrapartida a salvaguarda de territórios em que a marca humana fosse mantida dentro de limites, preservando paisagens, flora, fauna, valores geológicos e paisagísticos que, sem isso, corriam o risco de ser destruídos para sempre. Surgiu assim, nos Estados Unidos da América, o primeiro desses parques, o de Yellowstone, em 1872. Em 1890 foram criados o Parque Nacional da Sequoia e o de Yosémite. Quanto a este, vinham já sendo lançados desde 1864 os fundamentos para a sua proteção. Foi decisivo o impulso dado por John Muir (n.1838-f.1914), amante da natureza, precursor e pioneiro do Sistema Nacional de Parques então criado nos Estados Unidos, que constituiu inspiração para os que depois seriam criados em todo o mundo. Por seu lado, Frederick Law Olmsted (n.1822-f.1903), considerado o pai da arquitetura paisagista nos Estados Unidos, criador do Central Park em Nova Iorque, esteve na origem de um movimento semelhante para os meios urbanos, baseado na convicção de que a saúde física e mental dos habitantes das cidades exigia a presença nestes de vastos espaços verdes públicos protegidos pelas autoridades locais.
O que é preciso fazer hoje?

Visita a uma galeria aurífera no Monte das Covas, Castromil – Dia Europeu dos Parques Naturais – 24 de maio de 2025. Foto: Susana Neves
Hoje, a tarefa, talvez gigantesca, mas inadiável, é a de restaurar extensos corredores naturais ou renaturalizados que liguem entre si os ecossistemas suporte da vida. Tarefa já das gerações presentes e que terá que ser assumida igualmente pelas gerações futuras – para assegurarem a sua própria sobrevivência.
Assim, dos territórios excecionais que são os parques e áreas protegidas, passamos para tudo o resto. Esse enorme resto não poderá continuar a ser artificializado para além daquilo que o Planeta Terra pode suportar sem arrastar a degradação completa das condições da vida, humana mas também animal e vegetal. Só assim se poderá evitar que a vida humana se degrade e se torne impossível. Não podemos pois ignorar o valor ecológico e paisagístico de todo o território, não podemos artificializá-lo mais intensamente ainda do que já está, na sequência da revolução industrial e sobretudo das formas extremas que ela tem vindo a assumir nas últimas décadas.
É esse o sentido da campanha permanente da Campo Aberto que propõe a preservação, ou mesmo a recuperação de espaços verdes, numa linha que atualmente é propugnada pela União Europeia e expressa na «lei do restauro ecológico» a que Portugal está também obrigado.
Espaços verdes: que dizemos quando falamos de espaços verdes?
Quando falamos de espaços verdes, no contexto do livro que acima referimos e da campanha permanente que ele ilustra, não temos em mente propriamente os espaços verdes urbanos formais, os jardins públicos e outros similares (que, em princípio, estão protegidos por definição), mas outros espaços como campos agrícolas, galerias ripícolas, margens de rios e massas de água, matas e bosques sobretudo aqueles que ainda conservam espécies arbóreas autóctones. Nesse contexto, o livro chama a atenção para alguns deles, na sequência da campanha iniciada em 2006, na qual os cidadãos que nela quiseram livremente colaborar tiveram a possibilidade de propor a salvaguarda daqueles que consideraram correr riscos de destruição.
Embora seja algo que tende a ser esquecido, a urgência de mitigar os efeitos das alterações climáticas deveria passar antes de mais pela preservação desse tipo de espaços, pela sua não impermeabilização. Paradoxalmente, vemos proliferar, a pretexto do desafio climático, o abate de árvores, de matas e bosques e a destruição de solos por impermeabilização, manifestamente um equívoco que, em vez de nos aproximar da solução da ameaça climática, nos afasta dessa solução.
A salvaguarda desses espaços é igualmente exigida pela urgência da regeneração dos solos agrícolas, que é o objetivo declarado, mas pouco conhecido do público em geral, de acordos ao nível europeu e mundial no âmbito das Nações Unidas, a que Portugal está obrigado, o que é igualmente exigido pela necessidade de produção de alimentos.
Um abecedário da biodiversidade e da conservação da natureza
Cito aqui algumas linhas escritas pelo engenheiro agrónomo e arquiteto paisagista Ilídio Alves de Araújo (um homem do Norte, nascido há precisamente 100 anos, em 1925 no planalto da Lameira, Celorico de Basto, falecido no Porto em 2015), que escreveu: «Enquanto se não descobrir um processo laboratorial de transformar os gases da atmosfera em bifes ou proteínas e as rochas do solo em hidratos de carbono, presuntos e vitaminas, isto é, enquanto as plantas forem os agentes praticamente únicos dessas transformações, a prosperidade humana há-de depender infalivelmente da prosperidade vegetal. E tudo o que comprometa as possibilidades de produção vegetal de uma paisagem, compromete necessariamente a independência económica do povo que dentro dela houver de viver».
Nesta frase, Ilídio Alves de Araújo sintetiza luminosamente um abecedário da ecologia, da biodiversidade, da agronomia, da energia, e das suas interdependências. É disso que falamos, quando falamos de espaços verdes.

Visita ao Centro de Interpretação das Minas de Ouro de Castromil e Banjas – 24 de maio 2025 – Dia Europeu dos Parques Naturais. Foto: Susana Neves
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