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Momentos felizes e ilusões

Crónica de Bernardino Guimarães no JN de 9-jun

1) Um cronista ambiental também pode ter momentos felizes, merecedores de espaço na crónica, com mais ou menos caracteres mas fugindo, alegremente, à regra da denúncia de atentados contra a Natureza, de entorses no que devia ser a nossa relação com o Ambiente. Momentos felizes emprestados por notícia de factos que parecem ir na boa direcção e que me permitem desmentir, por instantes e parágrafos, suspeitas de pessimismo «crónico» que alguns leitores possam acalentar. Vamos lá então às boas notícias:

A reabilitação das ribeiras do Porto talvez possa avançar, já que um projecto com essa finalidade será candidato às verbas do célebre QREN. A Câmara, em colaboração com Águas do Porto e Região Hidrológica do Norte, prepara a «operação integrada» que visará recuperar as ribeiras, aproveitando todo o seu potencial ecológico, com impacte no lazer e na qualidade de vida dos portuenses. O projecto dá pelo nome de «Gestão Activa das Ribeiras do Porto, 1.a fase— Rotas da Granja à Asprela», objectivando «a protecção do recurso Água, valorização da biodiversidade, segurança das pessoas e bens e salvaguarda da saúde pública, na perspectiva da estratégia para o uso eficiente da água.». Parece bem. Resta saber a sorte deste projecto, já que é velha a intenção de salvar, limpar e desentubar as ribeiras que o Porto tem (e esconde).

Também os municípios de Valongo, Gondomar, Paços de Ferreira e Paredes desenvolvem um projecto, desta vez para limpar o rio Ferreira. A acção «Corrente Rio Ferreira» abrange a totalidade do leito do rio e envolve, além das autarquias, muitas outras entidades públicas e privadas. Veremos o que se segue, que isto de protocolos e parcerias está o inferno cheio… há que dar o benefício da dúvida.
De outros se poderia falar, respigando a informação recente: criação de espaços verdes nas margens do Leça na Maia. Algum esforço, ainda incipiente é certo, para favorecer a eficiência energética na iluminação pública, certos projectos— que deveriam ser generalizados— de instalação de energias renováveis em equipamentos públicos…a verdade é que se encontra do que dizer bem! Para compensar a continuação do licenciamento de centros comerciais e «grandes superfícies» que induzem o uso massivo do automóvel e condenam os comércios locais; a tendência, agora confirmada uma vez mais, para o aumento da produção de lixo doméstico e para a estagnação, em níveis baixos, das percentagens de resíduos reciclados.

2) A campanha de «informação» da EDP sobre barragens e sobre a conservação da natureza é um primor de profissionalismo e eficácia. Revela também que sobejam para aqueles lados os recursos financeiros que a crise nega ao comum das empresas. E apresenta aquela que deve ser já a mais hipócrita das ofensivas de propaganda do tempo recente.

Antecipando-se à contestação certa, a EDP quase nos convence que as barragens que construirá— por exemplo o Baixo Sabor, entre outras— são indispensáveis à fauna e flora daqueles locais. Mas a Natureza, ali, não sabe nadar. As espécies que se podem contemplar nos anúncios da EDP, voando felizes, serão aquelas mais afectadas pela construção das barragens. As paisagens que constam nos painéis e anúncios de página…desaparecerão para todo o sempre. A campanha de informação… desinforma, vende ilusões, pura realidade virtual. Para defender a construção de barragens, usem-se outros argumentos, que os haverá talvez. Mas não nos encham os olhos com miragens, nem usem milhões para vender uma bem urdida ilusão, uma milionária mentira!
Bernardino Guimarães