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Um viaduto incompreensível – ou como o Parque da Cidade continua a ser alvo da irracionalidade

Plataforma associativa Convergir:

April, Campo Aberto, Fapas, GAIA

NDMALO, Olho Vivo

Quercus, Terra Viva

 

No ano de 2001 os portuenses mobilizaram-se empenhadamente contra a escandalosa intenção de “betonizar” as
margens do Parque da Cidade – aquela que é, ainda, a maior e mais procurada
zona verde de toda a região do Porto. A cidadania deu frutos: foi possível
evitar a construção das frentes urbanas da Circunvalação e da Boavista, tendo o
actual executivo da Câmara do Porto, em cumprimento de promessa eleitoral,
feito seu esse objectivo pelo qual os cidadãos anteriormente tinham pugnado,
inclusive através de um movimento por um referendo corporizado no Movimento pelo
Parque da Cidade.

O que os portuenses seguramente não esperariam era, de quem lhes garantiu numa mão um Parque da Cidade verde, receber, na outra, a construção de um segundo viaduto que, atravessando-o, o
sobrecarregaria de infra-estruturas incompatíveis com a vocação de
tranquilidade e algum silêncio que é a justificação primeira e originária do
Parque.

 

A nebulosa Linha da Boavista

Toda a projectada Linha da Boavista da Metro do Porto levanta mais interrogações e dúvidas do que
respostas racionais e fundamentadas. A Empresa do Metro alega ser necessário evitar
o previsível congestionamento da linha Póvoa-Trindade, o que seria possível desviando
parte dos passageiros com destino a Matosinhos para a nova linha. Optou-se
então pelo corredor da Av. da Boavista, contrariando o que estava inicialmente
previsto no PDM, que era fazer regressar o eléctrico. Ninguém explicou por que
se optou pelo percurso que, provavelmente, servirá menos utentes, quando o
corredor Campo Alegre-Diogo Botelho, onde existem várias faculdades originando
um enorme movimento de estudantes e diversos bairros sociais (Pasteleira,
Rainha D. Leonor, Lordelo, Mouteira, Pinheiro Torres), seria à partida o mais
indicado. Infelizmente, este tipo de soluções impostas de cima sem estudos de
mercado prévios e inconvenientemente justificadas vão‑se banalizando,
para prejuízo da cidade e do erário público.

Efectivamente, a Linha da Boavista não passa de uma forma de contornar um erro grave, que foi a
deficiente concepção da ligação à Póvoa de Varzim, cometendo um outro erro, que
é a escolha de um percurso pouco atractivo e que tem sido publicamente
repudiado por várias vozes (veja-se, por exemplo, o blogue “A Baixa do Porto”, https://www.porto.taf.net).
Não se compreende, também, como é que esta linha pode ter prioridade
relativamente a outras que ligam o Porto aos concelhos vizinhos e que,
claramente, cumpririam uma função muito mais relevante no âmbito de uma
política regional de transportes.

 

O metro e o Parque da Cidade

Se até aqui são já suficientes os motivos para indignação, o que se segue ultrapassa os limites do admissível. A
Metro do Porto, com a concordância do município, pretende atravessar o Parque
da Cidade com um novo segundo viaduto, rompendo a unidade visual que foi
concebida pelo autor do Parque, Arq. Sidónio Pardal, numa obra que foi
reconhecida pela Ordem dos Engenheiros como uma das “100 mais notáveis do
século XX”.

Uma tal obra significaria a fragmentação paisagística do Parque, a sua descaracterização enquanto zona de repouso
e actividades de lazer, visto criar-se uma nova intrusão visual de grandes
dimensões, e a transformação da zona compreendida entre os dois viadutos num
local inóspito.

No entanto, e mesmo admitindo a necessidade da passagem do metro no Parque da Cidade, não é necessário um novo
viaduto, porque o que existe actualmente serve para o efeito. Sobre isto não há qualquer dúvida, tal como confirmou o Eng. João Fonseca, projectista da obra:

  • na verificação da estabilidade do viaduto foram já tidas em conta as cargas devidas à passagem do metro, aproveitando os estudos realizados para o mesmo efeito para a Ponte D. Luiz I;
  • a forma do viaduto foi concebida em função dos carris para o metro, permitindo a sua substituição, tendo esse facto conduzido a uma estrutura relativamente mais cara do que o habitual;
  • esteve envolvido no projecto de traçado ferroviário elaborado pelos STCP um técnico suíço especialista em questões relativas ao sistema de metro;
  • os raios de curvatura do traçado da via ferroviária foram corrigidos para as especificações do metro, tendo inclusivamente obrigado a modificações da forma da obra, com custos adicionais.

A Empresa invoca, então, que o metro tem de passar em via segregada (ou seja, com uma barreira física
relativamente ao trânsito). Essa separação poderia ser obtida desnivelando as
duas plataformas de circulação (o metro circularia a uma cota ligeiramente
superior à dos automóveis) ou, em alternativa, por meio de um traço contínuo ou
de uma guia boleada, como se de um corredor de “bus” se tratasse. Neste caso a
plataforma de circulação seria a mesma, mas visto que o metro pode “conviver”
com o peão (Rua de Brito Capelo, em Matosinhos), então também pode, por maioria
de razão, com o automóvel. O aumento do tempo de viagem provocado por uma velocidade
de circulação inferior seria irrelevante dada a curta distância envolvida – e
que, em todo o caso, seria uma desvantagem insignificante face ao prejuízo
ambiental e social que um novo viaduto acarretaria.

A construção do novo viaduto afigura-se inaceitável, podendo mesmo considerar-se uma atitude de desprezo pelo
dinheiro público e uma manifestação de gestão improvisada e aproximativa da cidade,
da sua rede de transportes e da sua rede de espaços verdes.

 

A Avaliação de Impacte Ambiental e as alternativas

Todas as questões abordadas deverão ser analisadas cuidadosamente na legalmente obrigatória Avaliação de
Impacte Ambiental. Os diversos problemas que a construção de uma linha de metro
levanta merecem uma discussão pública alargada e aprofundada, de modo a que a
decisão tomada reúna o maior consenso e seja a mais acertada. O que não é compreensível
é que a cidade seja confrontada com um facto consumado devido a uma decisão perfeitamente
infundamentada e, ainda por cima, despesista, numa altura em que cada euro é
precioso e deve ser investido na opção que traz maiores benefícios à sociedade.

As associações da Plataforma Convergir apelam ao abandono do projecto de um segundo viaduto no Parque da
Cidade. Apelam igualmente a que seja repensada integralmente a chamada Linha da
Boavista, por forma a que se possam encontrar soluções de mobilidade mais
coerentes, menos dispendiosas e mais sustentáveis, e sobretudo mais compatíveis
com a rede de espaços verdes existente e com o património arbóreo da cidade, também
ele ameaçado pela projectada linha.